quarta-feira, maio 27, 2009

Porque a Microsoft tem tantas versões do Windows Vista e Seven?

Uma das coisas confusas e irritantes do Windows Vista, e que deverá ser mantida no Windows Seven, é a quantidade absurda de versões. Qual o motivo disto?

A razão é um dos conceitos mais poderosos e perigosos do Marketing: a segmentação. Uma boa explicação disto, e outros fatores de precificação de software, está neste artigo clássico de Joel Spolsky (em inglês). O que segue abaixo é a minha tentativa de explicação (em português).

Tipicamente a quantidade de cópias que se espera vender de um software tem uma relação direta com o preço: quanto menor o preço mais pessoas irão comprar. Obs.: enfase no tipicamente; existem muitos outros fatores em jogo, como a associação de preço a qualidade.

Inciando o meu exemplo hipotético, vamos supor que o potencial de venda (número de cópias) de um determinado software varie da seguinte forma com o preço:

Em outras palavras, se eu fixar um preço de R$500, vou vender apenas duzentas cópias; se baixar o preço para R$100,00 venderei 1500 cópias.

Mais importante que o número de cópias é o lucro que eu terei. Continuando as minhas hipóteses, vamos supor que eu tenha tido um custo fixo de R$50.000,00 para desenvolver o software e que eu tenha um custo variável de R$30 por cópia vendida. Alguns minutos mexendo na planilha e chegamos ao seguinte resultado:

Aha! O preço de R$300 maximiza o meu lucro! Apesar do faturamento ser o mesmo que com preços de R$100 e R$200, nestes dois casos o lucro por cópia é tão mais baixo que o lucro total fica menor.

Hora de imprimir as etiquetas de preço... Mas a nossa vista não consegue fugir da primeira tabela. Em um extremo, temos 200 pessoas que estariam dispostas a pagar R$500; vendendo por R$300 estamos "perdendo" R$40.000! Na outra ponta, temos 1000 pessoas estão deixando de comprar o software por achar caro.

E aí surge a idéia da segmentação: vamos criar três versões, a Lite, Standard e Pro e vendê-las, respectivamente, por R$ 100, 300 e 500. Chegamos à planilha "matadora":

Por um momento se imagine apresentando esta tabela em uma reunião de diretoria. Você será aclamado como um gênio! Maximizou o lucro e a quantidade de cópias. Vai ganhar uma sala, um aumento e até a chave do banheiro da diretoria1! Talvez o presidente da firma até fale para a gatinha da filha2 dele prestar mais atenção naquele rapaz esperto.

Entretanto, o diretor financeiro (que é bom de números), sugere: "porque não criarmos também versões a R$200 e R$400"? Ao que o diretor comercial sai com a sugestão definitiva: "Vamos abolir a lista de preços e vender o produto pelo máximo que o cliente estiver disposto a pagar"! Ops...

Hora de acordar, lavar a cara com água fria e voltar à dura realidade do mundo real. Clientes não são números que podem ser movidos de uma coluna para outra (apesar de muita gente insistir o contrário). Os clientes vão comparar as opções independente de quanto estão dispostos a gastar. Se você esconder as opções no momento da venda, o cliente acabará descobrindo depois e vai ficar ainda mais bravo. O cliente que optou pela versão Lite vai reclamar que aquela "pequena coisinha essencial" só está disponível na versão Pro (que custa 5x mais). O cliente que comprou a versão Pro vai sentir-se enganado ao descobrir que suas necessidades são atendidas pela versão Standard que custa "quase a metade do preço". E é claro que é preciso uma campanha para educar vendedores e clientes sobre as diferenças entre as versões.

O segredo do sucesso de uma estratégia de segmentação está na diversificação das versões, na percepção de valor comparada aos preços e à percepção dos custos.

O cliente não vai gostar se achar que está sendo feita uma segmentação "forçada". Colocar um componente adicional em uma impressora para ela ficar mais lenta e ser vendida como um modelo mais barato não rola. Fabricar osciloscópios digitais com "x" megabytes de memória, bloquear metade disso e vendar a senha para liberar não rola. Limitar o tamanho da tela do computador que vai rodar uma versão do sistema operacional, vai rolar?

Por outro lado, existem inúmeros exemplos de segmentação bem sucedida, tanto com software como com outros produtos. A indústria automobilística trabalha exclusivamente assim (o engenheiro que propos as "16 válvulas" deve ter ganhado a chave do banheiro).

Concluíndo: o Windows Vista e o Windows Seven tem um monte de versões porque a Microsoft escutou e seguiu o conselho do diretor financeiro. E não escuta os protestos dos seus clientes.

Notas:

1Típica referência americana. Alguém sabe se isto é símbolo de status aqui no Brasil?

2As leitoras sintam-se à vontade de substituir "gatinha" e "filho" por "gatão" e "filho". Ou o que for da sua preferência.

Um comentário:

Ricardo Oneda disse...

Eu, particularmente, também não gosto desse monte de versões. Pior foi a versão Ultimate, a mais cara, que prometeram disponibilizar um pacote de aplicações e funcionalidades que nunca foi lançado. Inclusive, a própria Microsoft reconheceu a mancada e pediu desculpas. Acredito que duas versões, como era o XP, com a Home e a Pro, já eram suficientes. Ou então, no máximo, 3 versões.