sábado, abril 11, 2009

Livro de Fevereiro: Khrushchev - The Man and his Era

Devo admitir que antes de ler este livro eu sabia quase nada sobre Nikita Sergeyevich Khrushchev. Tinha uma vaga noção de que ele tinha sido um dos manda-chuvas da URSS e que estava no poder na época da crise dos mísseis (sobre o que eu também não sabia muito). E uma linha em uma música Russians do Sting ("Mr Khrushchev says We will bury you"). O meu ginásio e colégio foram quase nulos em termos de história contemporânea. O período também não era propício para informações sobre um líder socialista.

Demorei alguns anos para tomar coragem para encarar este livro que meu pai tem há bastante tempo. São 650 páginas de um texto muitas vezes denso. O livro possui no total 870 páginas, contando com extensos adendos de abreviações, notas, bibliografia e índice remissivo.

Esta é uma daquelas bibliografias em que o autor vai realmente ao fundo nas fontes, entrevistando muitas pessoas, visitando locais e lendo tudo que foi escrito a respeito. Além disso, o autor tenta desvendar o porque das ações de Khrushchev, que foi uma personalidade altamente complexa. Khrushchev se revela uma pessoa cheia de contradições, cujas ações nem sempre iam de acordo com suas ideias e frequentemente tinham resultado oposto ao que ele esperava.

A leitura do livro não somente traz conhecimento sobre Khrushchev, mas também sobre vários acontecimentos do século vinte e coloca alguma luz sobre o que era viver na União Soviética nesta época. No mínimo, trará ao leitor brasileiro uma nova dimensão à expressão "a coisa estar russa".

Para aguçar o interesse pela leitura, seguem abaixo alguns pontos descritos em detalhes no livro.

Khrushnev nasceu em uma pequena cidade russa, filho de camponeses muito pobres. Aí surge o primeiro conflito interno: Krushnev preferia se considerar um proletário a um camponês, porém grande parte das suas ações no governo estiveram relacionadas à agricultura, assunto sobre o qual se considerava profundo conhecedor. A vida não era fácil. Por exemplo, era preciso enfrentar invernos rigorosos com sapatos improvisados. Em 1908, Krushnev começou a trabalhar nas minas, num ambiente descrito como "o material do qual o anti-capitalismo foi feito": condições precárias, jornada longas, salários curtos. Com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, as condições pioraram.

Daí se seguiram a revolução, a queda do czar, a guerra civil, a vitoria dos bolcheviques, uma campanha violenta de industrialização e coletivização, fome e peste. Estima-se que as mortes por fome em 1921 e 1922 na Rússia ultrapassaram as mortes ocorridas na Primeira Guerra e na guerra civil.

Krushnev apoiou a revolução, aproveitou as oportunidades surgidas e foi galgando os degraus no partido. A partir de 1929 mudou-se para Moscou e começou a se aproximar do núcleo do poder; em 1938 Stalin o enviou para a Ucrânia para chefiar o governo local.

Em 1941 a União Soviética entrou na Segunda Guerra, surpreendida por um ataque alemão. O livro não poupa a incompetência russa durante a guerra, particularmente de Stalin. O esforço de guerra, entretanto, aumentou ainda mais a crença de Krushnev no socialismo.

Com o fim da guerra Krushnev retornou para a Ucrânia, indo em 1949 para Moscou diretamente para o círculo central do poder. Perseguições políticas e execuções sumárias existiram desde o começo da revolução, mas com o passar do tempo Stalin estava cada vez mais paranoico e imprevisível. Os companheiros de Stalin viviam sempre com medo e não se negavam a implementar os expurgos sangrentos. Surge assim o segundo grande conflito interno de Krushnev, que foi cúmplice da morte de milhares. Apesar de seus esforços para mitigar o ocorrido, Krushnev frequentemente tentava se desculpar pela sua participação nestes eventos.

Em 1953 Stalin morreu, em um episodio grotesco. Em uma mistura de medo, incompetência e muito provavelmente malícia, Stalin foi atendido por médicos somente doze horas após ter um derrame. Cada providência médica era debatida por uma equipe médica e só executada após aprovada pelos membros do politburo. Stalin agonizou por cinco dias antes de morrer.

Num primeiro instante, Stalin foi substituído por um triunvirato composto por Malenkov, Beria (o temível chefe da polícia) e Molotov. Khrushchev parecia estar relegado a uma posição secundária. Dois anos e meio depois, Beria tinha sido preso e executado; Malenkov e Molotov mantiveram suas cadeiras no Presidium mas estavam totalmente subordinados ao grande chefe, Khrushchev. Para isto ele manipulou a máquina do partido e fez e traiu alianças.

Consolidado no poder, Khrushchev fez em fevereiro de 1956 o fato mais incrível de toda a sua vida: denunciou os crimes de Stalin no vigésimo congresso do partido comunista soviético, no que ficou conhecido como "discurso secreto". Ato duplicadamente heroico pois o expôs simultaneamente aos ataques das vítimas de Stalin (visto ter sido ele cúmplice dos crimes) e dos aliados de Stalin (que além da lealdade a Stalin tinham os seus próprios crimes na consciência). De certa foram, tanto o regime soviético como o próprio Khrushchev nunca se recuperaram disto.

Um golpe ainda tentou derrubar Khrushchev em 57, mas o apoio da máquina do partido permitiu-lhe virar a mesa. Para sorte dos conspiradores, Khrushchev não seguiu a tradição sangrenta de Stalin. A partir daí, até a sua queda, Khrushchev liderou sozinho a União Soviética.

No lado da economia, fez várias reformas tentando colocá-la nos eixos. Apesar de alguns progressos pontuais, os resultados sempre foram ruins e a falta de vários bens foi constante e a fome esteve sempre rondando.

A diplomacia também foi problemática. Dificuldades surgiram logo com o aliado mais óbvia, a China. A "inevitabilidade" da exportação da revolução (crença básica do socialismo, mas abandonada com o tempo) deixou em alerta todos os inimigos. A necessidade de manter um poderosa máquina de guerra estressava ainda mais a economia. A solução encontrada por Khrushchev foram as armas nucleares: a guerra não aconteceria enquanto os dois lados estivessem convencidos que o resultado seria a destruição mútua. A ameaça nuclear permitiu a Khrushchev reduzir as forças militares convencionais. Entretanto, era mais um blefe que uma ameaça, pois a União Soviética dispunha de poucas bombas e condições precárias para dispará-las contra os EUA, que por sua vez colocava os seus misseis na Europa.

Com negociações sobre a Alemanha cada vez mais emperradas, a desmoralização de voos frequentes de aviões espiões sobre a URSS e a colocação de mísseis na Turquia pelos EUA, Khrushchev resolveu apostar numa cartada pesada, iniciando a instalação de mísseis em Cuba e quase causando uma guerra nuclear (que era o que ele queria evitar). Ao final da crise foram retirados os mísseis tanto de Cuba como da Turquia, porém apenas os primeiros de forma pública (o que deixou Khrushchev com a aparência de perdedor tanto fora como dentro da URSS).

Além de tudo isto, Khrushchev teve uma relação conturbada com os intelectuais soviéticos, sofrendo com a sua própria falta de cultura e da manipulação tanto dos intelectuais como dos conservadores pró-censura.

Com o passar dos anos, o comportamento de Khrushchev ficou errático, com reformas malsucedidas sobre reformas fracassadas e mudanças constantes de rumo.

No final de 64, Khrushchev foi deposto. Traumatizados com o fracasso da tentativa de golpe em 57, os novos líderes tomaram uma série de cuidados antes, durante e depois da deposição. Khrushchev foi colocado praticamente sob prisão domiciliar e poucos tiveram a coragem de contactá-lo após a queda. Seis anos mais tarde Khrushchev morria. Sua morte foi discretamente anunciada e vários cuidados tomados para que poucos pudessem ir ao enterro.

Obs.: Estou tentando recuperar o atraso, este post foi começado no final de fevereiro e estava incompleto até agora. Em breve, devo publicar o "livro de março".

Nenhum comentário: